Embora a garantia do sigilo profissional esteja explícita na Constituição Federal (artigo 5˚, XIV), o STJ novamente debruçou-se sobre a matéria (RHC 150.603/PR), reafirmando a importância da garantia de sigilo dos documentos médicos, inclusive protegendo contra requisição direta de autoridades investigativas, como polícias e Ministério Público, reafirmando a imprescindibilidade da ordem judicial para acesso a tais documentos.
É importante ter em mente que o sigilo médico é o mais antigo e universal princípio da tradição médica. Sua obrigação encontra-se fundamentalmente no mais remoto e sagrado documento médico: o juramento de Hipócrates, em que em certa parte se lê: “O que, no exercício ou fora do exercício e no comércio da vida, eu vir ou ouvir, que não seja necessário revelar, conservarei como segredo”.
No referido caso analisado pelo STJ, a violação do sigilo dos documentos de pacientes se deu pelo Ministério Público, que, sem ordem judicial, expediu ofícios para todas as farmácias de determinado município, requerendo o fornecimento de cópias de todas as receitas médicas em seus arquivos, subscritas por todos os médicos da localidade, emitidas para todos os pacientes no período de um ano, quebrando o sigilo de documentos médicos de toda população.
Mesmo com todo o cuidado na proteção dos dados dos pacientes, visto que diversos diplomas legais, inclusive o Código Penal, veda a divulgação de segredo que se tenha ciência no exercício da profissão, sob pena de detenção de três meses a um ano, ou multa, ainda assim é muito comum a violação de documentos emitidos por médicos relativos aos seus pacientes, sobretudo nos dias atuais com a extrema politização da saúde.
Que pese a preservação do sigilo não ser absoluto, sobrepuja a vida humana, na medida em que deve ser observada mesmo que o paciente tenha falecido, ou mesmo que os fatos sejam de conhecimento público, ainda assim, devem ser mantidos em segredo pelo médico.
A sua importância é tão valiosa que, caso o médico seja chamado perante autoridade judicial para depor a respeito de acontecimento que tenha conhecimento em razão da profissão ou por ter dado assistência a alguém, deve apresentar-se apenas para declarar seu impedimento, ainda que seja para investigação da suspeita de crime, sendo desobrigado do testemunho.
Somente em situações muito peculiares o segredo pode ser quebrado: a) diante de motivo justo; b) por dever legal; e c) quando existir consentimento do paciente.
Entende-se por motivo justo quando a divulgação visa à ordem pública e o equilíbrio social, como no caso em que o paciente se recusa a revelar aos comunicantes sexuais sua condição de pessoa vivendo com HIV, nesse caso é legítimo o direito do médico de informar sobre tal situação.
Quanto ao dever legal, reconhece-se a quebra do sigilo necessária por cumprimento ao que está regulado em lei, como nos casos em que o médico tem o dever de notificar as autoridades a respeito de doenças transmissíveis (Lei 6.259/75).
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E, no último caso, quando existir consentimento do paciente maior e capaz, ou do seu representante legal, que deve se dar de forma escrita e esclarecida.
Diante disso, a responsabilidade ética e cível por quebra do sigilo médico deve levar em consideração os seguintes aspectos: 1) a existência de um fato revelado ao médico, pelo qual tomou conhecimento; em 2) razão do exercício da medicina; 3) ausência de justa causa (motivo justo, dever legal, consentimento do paciente), acrescentando-se, para configuração da responsabilidade criminal; a 4) possibilidade de dano a outrem; e 5) existência de dolo.
Dessa forma, o que a lei visa a proibir é a revelação ilegal, motivada por má-fé, leviana, de baixo interesse e que cause prejuízos à relação médico-paciente, o que pode, inclusive, causar descrédito a toda classe médica, levando o paciente a omitir informações importante que deveriam ser expostas ao médico, pelo simples temor de serem relevados.
Assim, pacificado o entendimento que o sigilo dos documentos médicos somente pode ser quebrado mediante ordem judicial, reafirma-se sua importância, sobretudo quando a violação é praticada por aqueles que deveriam resguardar os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
Fonte: Conjur