STJ nega reconhecimento de data marcada em alianças como início de união estável

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o reconhecimento da data registrada em um par de alianças como prova suficiente para a definição do início de uma união estável. O entendimento é de que não houve demonstração de convivência pública e intenção de constituir família na data em que as alianças foram gravadas. A Terceira Turma fixou o início da união na data do nascimento do primeiro filho do casal.

As partes se casaram em novembro de 2008, em regime da comunhão parcial de bens, tendo vivido em união estável no período imediatamente anterior, conforme a ação de reconhecimento e dissolução de união estável. Os ex-companheiros, no entanto, divergiam sobre a data inicial do período da união: para a mulher seria a gravada nas alianças; para o homem, a do nascimento do filho mais velho, já que a data gravada representava apenas o início do namoro.

A sentença fixou o início da união estável em junho de 2004, quando nasceu o primeiro filho. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, porém, estabeleceu o marco inicial em agosto de 2002, de acordo com a gravação nas alianças. A ministra do STJ, Nancy Andrighi, relatora, destacou que de acordo com o artigo 1.723 do Código Civil, a união estável é reconhecida com a configuração da convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Nancy Andrighi mencionou o fato de não se ter ciência sobre a mão em que as partes usavam a aliança e o material da mesma. Para ela, são questões importantes, pois “a significação e o simbolismo representado pela aliança mudam substancialmente a depender desses aspectos – aliança de prata na mão direita costuma simbolizar namoro; aliança de ouro na mão direita normalmente reflete um noivado e a aliança de ouro na mão esquerda usualmente simboliza o casamento (ou, equiparando, a união estável)”.

No caso em questão, relatou que a ex-companheira, em depoimento, disse que em agosto de 2002 – data das alianças – ainda estava terminando um casamento anterior e, por isso, passou a morar com o ex-companheiro em 2003.

“Dessa forma, deve-se reconhecer a ausência do requisito da publicidade da união estável, no sentido de não ser ela oculta da sociedade, bem como se deve reconhecer a ausência, naquele determinado momento histórico, do requisito da intenção de constituir família, seja porque o tratamento mantido entre as próprias partes não era típico do tratamento mantido entre companheiros, seja ainda por inexistir reconhecimento social do estado de convivência”, afirmou a ministra.

Para a relatora, também não é possível fixar o início da união somente em 2004, quando do nascimento do primogênito, considerando os momentos que o precederam. “Os companheiros se apresentaram, foram vistos e foram reconhecidos como um casal em todos esses momentos, ainda que não fossem, àquele momento, efetivamente casados”, disse. Nancy Andrighi destacou que ao constatar a gravidez, em 24 de outubro de 2003, a mulher já havia informado a residência do parceiro como seu próprio endereço, pois para lá se mudara em fevereiro daquele ano. O homem confirmou no processo. Assim, de acordo com a ministra, o relacionamento entre as partes a partir da constatação da gravidez “já não era mais um namoro, ainda que qualificado”.

Formalidades

Para Sofia Rabelo, advogada e membro do Instituto Brasileiro do Direito de Família – IBDFAM, a decisão é muito interessante porque ela utiliza elementos essenciais da nossa cultura, tais como noivado e alianças para delimitar uma união estável. No entanto, ela lembra que é importante ressaltar que “a união estável é uma família de fato, uma família que não depende de qualquer formalidade e existe por si só”.

“As pessoas não dependem de escritura pública, as pessoas não se submeteram às formalidades preliminares ao casamento, elas não se dirigiram até o cartório para a celebração do casamento, assim como não necessariamente utilizam qualquer anel de compromisso de noivado ou de formação de família, muito embora possa ter. Então a semelhança do casamento em si é muito próxima, por que a união estável é um ‘casamento de fato’, as pessoas estão casadas sem terem passado pela formalidade exigida pelo estado, pela chancela do estado”, afirma.

Por isso a advogada diz que surge a importância de enfrentar detalhes dos casos concretos para se ter o marco temporal do início da união estável, ou lapso temporal em que houve a união estável e consequentemente as suas decorrências patrimoniais que advém da formação de uma família.

Com relação a decisão, ela afirma que é interessante a ministra ter discriminado as alianças. A forma como elas são utilizadas na nossa cultura enquanto namoro, enquanto caso e enquanto noivado, para sustentar a existência ou não da união estável, ou a data de início da união estável.

“O que tem inédito nessa decisão é utilizar mais uma vez o parâmetro do casamento para o reconhecimento da união estável, que é inevitável. Mas se nós tivermos o raciocínio do parâmetro do casamento, o noivado é antecedente. Então nós não teríamos como reconhecer a partir do que foi gravado como celebração do casamento”, destaca.

Simbolismos culturais

Na nossa cultura, as pessoas que vivem na união estável como casadas se apresentam como marido e mulher. Por isso, para Sofia Rabelo, o artigo 1.723 do Código Civil auxilia na decisão sendo delimitador aberto, porque diz que a união estável é uma união pública, contínua e duradoura. Ou seja, todos conhecem, não é eventual e há um tempo de formação de família.

“Simbolismos decorrem da nossa cultura, o que faz com que haja o reconhecimento ou não da forma de família. Há outros elementos, como a utilização do cartão de crédito do outro, plano de saúde, a frequência a um clube etc. Elementos que essencialmente serão probatórios para o reconhecimento da união estável. É ainda comum, não tanto quanto já foi o noivado, mas é um dos marcos pelo menos para a intenção futura do casamento”, explica.

Por isso, ela diz ser favorável à decisão. “Eu concordo com a ministra pelos fatos já ditos e pelo contexto cultural. O que está gravado como data na aliança não é um marco delimitatório para o reconhecimento da união estável. São vários outros elementos utilizados, um conjunto como um todo, avaliado então o simbolismo da aliança, a utilização apresentada pelas partes. Eu concordo que não pode ser utilizada para união estável o que está gravado como uma data para o futuro casamento”, finaliza.

Fonte: IBDFAM

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