Fertilização in vitro pode ser coberta por plano de saúde

Decisões dos tribunais consideram que o direito ao planejamento familiar é garantido pela legislação

O entendimento da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de que a assistência médica privada não é obrigada a cobrir a fertilização in vitro está sendo questionado na Justiça e, em alguns casos, garantindo o direito de se fazer o procedimento pelo plano de saúde.
Uma decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) de fevereiro deste ano garantiu a um casal de Brasília que o plano cubra “quantas vezes sejam necessárias até a efetiva gestação, bem como custeie todos os demais procedimentos ao tratamento de endometriose profunda e infertilidade”. O relator do caso, desembargador Josaphá Francisco dos Santos, argumentou que a Lei 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, prevê o planejamento familiar. E que a Lei 9.263/1996 estabelece como planejamento familiar “o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole”. A média de preço do procedimento citado na decisão é de R$ 20 mil por tentativa.
A ANS, por outro lado, afirma, em nota, que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que trata das coberturas mínimas obrigatórias pelos planos de saúde, é de sua competência. E lembra que o artigo 10º da Lei 9.656/1998 exclui o tratamento por inseminação artificial.
Para a advogada especialista em direito público e do consumidor Nathália Monici Lima, entretanto, cabe ao médico, e não ao plano de saúde, decidir qual o tratamento mais eficaz a ser feito para a infertilidade. “Quem decide como proceder é o médico, não o plano de saúde. E a infertilidade é uma doença reconhecida, deve ser tratada com todos os recursos possíveis”, diz.
A Classificação Internacional das Doenças (CID) inclui a infertilidade feminina (CID 10-N97) e a masculina (CID 10-N46). “A jurisprudência que entende que a legislação se sobrepõe ao rol da ANS está pacificada no país”, completa Nathália.
Já a presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Solange Palheiro Mendes, questiona as decisões judiciais. “Trata-se de um equívoco de entendimento dos tribunais. A lei é clara em suprimir esses tratamentos. Diante disso, não se trata de obrigação da saúde suplementar”, avalia. Para Solange, a Lei dos Planos de Saúde “garante a cobertura de todas as doenças reconhecidas pela CID, mas exclui a inseminação artificial”, o que dá garantia legal ao rol da ANS.

Mais caro

Conta. Para a FenaSaúde, quando a Justiça concede o benefício, a conta é paga por todos, o que “auxilia no encarecimento da assistência à saúde privada ao longo do tempo”, diz a presidente.

 

Particular

Demora na decisão afasta “tentantes” do Poder Judiciário

Uma única tentativa de fertilização in vitro custou à nutricionista Renata De Marco Pena, 36, R$ 27 mil, em 2014, e não foi bem-sucedida. Mesmo assim, ela – que na semana passada fez sua quarta tentativa – não pretende buscar a Justiça para tentar obrigar o plano de saúde, que ela tem desde os 12 anos, a cobrir o procedimento. “A gente sabe como é a Justiça no Brasil, e tempo é fundamental para o sucesso do tratamento”, afirma. Renata já tem uma filha de 4 anos e tenta agora a segunda gravidez.
A dermatologista Gerusa Vilela, 37, tem duas filhas, de 5 e 2 anos, ambas fruto de fertilização in vitro. “Não cogitei entrar na Justiça na época porque demandaria tempo, o que poderia interferir no resultado do procedimento. Tempo é tudo para quem quer engravidar”, diz Gerusa.
Ambas concordam, porém, que, se o tratamento fosse coberto pelos planos de saúde, seria mais democrático. “É um tratamento muito caro. Seria ótimo se fosse coberto pelos planos. O que eu consegui fazer pelo convênio foram alguns exames. Mas, perto do valor total do tratamento, é quase nada”, afirma Gerusa, que tem o mesmo plano de saúde desde criança. Renata também conseguiu que o plano cobrisse exames. “Não é só o procedimento que é caro. Só com medicamento, gastei cerca de R$ 9.000”, diz.
“Tem gente que paga plano de saúde a vida inteira e nunca precisa de um tratamento mais caro. O risco é das empresas. Não é justo o consumidor ter que arcar com um tratamento caro quando paga pelo plano”, avalia a advogada especialista em direito público e do consumidor Nathália Monici Lima. (LP)

Judicialização é “prejudicial à saúde”, segundo associação
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) se posiciona contra os processos constantes na Justiça. “O fenômeno da judicialização é extremamente prejudicial à saúde brasileira, pois privilegia poucos indivíduos que têm condições de pagar os honorários de advogados específicos”, diz a nota da entidade.
Segundo a Abramge, com base em dados do Ministério da Saúde e das operadoras de planos de saúde, em 2016 foram gastos R$ 7 bilhões dos cofres públicos e R$ 1,2 bilhão de empresas privadas por causa de decisões judiciais.
A entidade defende que boa parte das ações judiciais que solicitam acesso à fertilização in vitro é de casos “indevidos, quando não há sua necessidade”, e que “outra técnica atenderia a demanda de maneira eficiente, gerando os mesmos benefícios, a custos mais baixos”, diz em nota. Para a Abramge, “todos os beneficiários custeiam indiretamente o procedimento”. (LP)

Fonte: O Tempo

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