A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5, por maioria de votos, determinou o rateio do benefício da pensão por morte de um servidor público federal que manteve, concomitantemente, um casamento e uma união estável. O benefício será dividido entre a esposa, a companheira e a filha desta última.
Para o desembargador federal Rubens Canuto, condutor do voto vencedor, caso provada a existência de relação extraconjugal duradoura, pública e com a intenção de constituir família, ainda que concomitante ao casamento, deve ser conferida a ela a mesma proteção dada à relação conjugal e à união estável, desde que o cônjuge saiba da existência dessa outra relação simultânea ao casamento.
“As provas denotam que o falecido, quando vivo, dispensava cuidados também em relação à autora, notadamente quanto à sua saúde, moradia, assistência afetiva, inclusive por meio de conversas telefônicas que chamaram atenção da viúva, e financeira, por meio de transferência de valores mensais em conta corrente, ainda que por intermédio de familiares, sem olvidar das fotografias que revelam a participação do falecido em diversos momentos da vida em comum também com a parte autora”, afirmou o magistrado.
De acordo com os autos, a companheira teve dois filhos com o servidor público fruto do relacionamento de 30 anos. Segundo Canuto, da análise do contexto fático-probatório, extraem-se dos autos que a esposa tinha conhecimento de que seu marido, quando em vida, mantinha relacionamento simultâneo ao casamento. “As declarações da demandada, seja ao afirmar que percebia as comunicações por meio de celular entre seu marido e a autora, seja ao confirmar que sabia da construção de uma ou duas casas para a demandante e sua família, revelam o conhecimento e aceitação da relação concomitante”, esclareceu.
Divisão do benefício é possível diante de prova da existência da união estável
A divisão do benefício foi possível porque o TRF5 reconheceu a união estável paralela ao casamento, o caso preenchia todos os requisitos exigidos por lei para caracterizar uma união estável, conforme explica o advogado Marcos Alves da Silva, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
“Havia prova contundente de que existia de fato uma família paralela ao casamento. As notícias sobre o julgado abordam o fato de forma preconceituosa, se referem à pessoa como ‘amante’. Essa designação não a qualifica como companheira. Só é possível reconhecer o direito de pensão por morte se for reconhecida na relação uma conjugalidade”, expõe.
Ele explica que a relação continha todos os elementos previstos no Caput do artigo 1723 do Código Civil, segundo o qual, é reconhecida como entidade familiar a união estável configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
“Essa não é uma família clandestina, mas de conhecimento público de sua existência. Há uma continuidade nesse relacionamento, durabilidade e o objetivo de constituir família. Esta dimensão, que parece ser subjetiva, aqui se revela bem objetiva. No acórdão consta que o falecido contribuiu em relação às despesas de saúde, moradia, assistência financeira e afetiva, participação em aniversários dos filhos e que a esposa tinha conhecimento da existência da família paralela. Isso tudo demonstra a intenção de constituir família e, nesse sentido, se privilegia o princípio da solidariedade. Se existia uma família existia a dependência econômica, fazem jus à pensão por morte todos aqueles que dependiam do falecido, nesse caso, tanto a esposa como a companheira. É o reconhecimento de conjugalidades concomitantes que garante esse direito”, ressalta.
“Decisão é uma homenagem ao princípio da pluralidade das famílias”, diz especialista
Para Marcos Alves da Silva, a decisão aponta numa direção interessante ao reconhecer a existência de famílias paralelas e, consequentemente, a pluralidade das entidades familiares. “Boa parte da doutrina concorda que podem subsistir e serem reconhecidas juridicamente as famílias paralelas”, diz. “O princípio da monogamia tem sofrido um arrefecimento, uma diminuição da sua importância quando se privilegia a tutela das pessoas”, reflete.
Ele destaca que a decisão aponta numa direção inovadora do Direito de Família, “conquanto a matéria seja de natureza previdenciária, a questão subjacente não é, porque só existirá o direito à pensão por morte caso se reconheça ali uma conjugalidade merecedora da tutela jurisdicional do Estado. Portanto, não é um direito da amante, é um direito da companheira que foi reconhecido”, ressalta.
A decisão é, segundo o advogado, uma homenagem ao princípio da pluralidade das entidades familiares, segundo o qual, família não é somente aquela formada pelo casamento e também não é hierarquicamente superior às demais famílias. “Essa decisão reforça uma tendência que vai se consolidando na jurisprudência brasileira”, diz.
“O acórdão privilegia o que a Constituição da República vem sinalizando em relação a uma nova concepção de família. Privilegia-se o que o professor Paulo Luiz Netto Lôbo ensina em relação ao artigo 226 da Constituição. Que este artigo constitui uma cláusula de inclusão e que ao se estabelecer o princípio da pluralidade das entidades familiares na Constituição Federal superou-se um rol taxativo, ou seja, o que temos ali é um rol aberto, um rol meramente exemplificativo de possibilidades de formação de família. Existem múltiplas formas de ser e de fazer família”, reflete.
Fonte: IBDFAM